quarta-feira, 31 de julho de 2013
A caixa dos brinquedos
Acontece, por vezes, que, à medida que os filhos crescem, desaparece das famílias a caixa dos brinquedos. As casas tornam-se (um pouco) mais ordenadas, aderem a uma rotina perfeita que durante anos não tiveram, numa respeitabilidade estável segura de si.
Principia-se então uma estação de tréguas, sem as surpresas que desesperavam: a chuva de peças órfãs dos seus jogos, os bonecos a ressurgirem onde absolutamente não deviam, o inofensivo módulo encontrado pelo canalizador como única explicação para a monumental avaria. Primeiro respira-se de alívio, portanto. Mas depois, estranhamente, nem tanto. Pois há uma hora em que se percebe a falta que nos faz a caixa dos brinquedos.
É nessa caixa que se encontram os símbolos, as brincadeiras; os risos distendidos, as férias em família, os aniversários, os jogos intermináveis à volta da mesa com velhos e novos contagiados pelo mesmo entusiasmo, a contemplação carinhosa sem nenhuma finalidade.
É nessa caixa que estão as histórias disparatadas e sábias que contamos pela vida fora. Aí se conservam os odores, os registos, as palavras de uma canção que cantamos muitas vezes e depois esquecemos, a primeira bicicleta, os livros que nos ofereceram quando ainda não sabíamos ler, os cromos, o silêncio da intimidade, a viagem à aldeia, as conversas à janela voltados para a noite.
Nessa caixa está a arte de fazer tempo, de perdê-lo para que se torne mais nosso, permitindo a imaginação, o sentido lúdico, a alegria A caixa dos brinquedos não serve para nada, e por isso dá-nos razões para viver.
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