segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Sobre as células estaminais adultas

Entrevista a Natalia López Moratalla, Professora Catedrática de Bioquímica e Biologia Molecular da Universidade de Navarra.

No dia 10 de Dezembro passado foi entregue o prémio Nobel de Medicina ao cientista japonês Shinya Yamanaka (Osaka, 1962) pelas suas investigações pioneiras com células-mãe adultas, juntamente com John B. Gurdon. Receberam o prémio Nobel "pela descoberta de que as células maduras se podem reprogramar para se converterem em pluri-potenciais", quer dizer, que a especialização das células é reversível, abrindo assim um campo importante de aplicações terapêuticas.

Natalia López Moratalla, Professora Catedrática de Bioquímica e Biologia Molecular da Universidade de Navarra, explica nesta entrevista a importância deste prémio e como, frente a uma parte da comunidade científica que apostava nas células-mãe embrionárias, as investigações de Yamanaka foram realizadas exclusivamente com células-mãe de adulto.


Por que razão é tão importante este Nobel?
Este Nobel é um grande contributo para a ciência e uma reviravolta numa área que tinha começado mal; por um lado, estava muito centrada em questões ideológicas a respeito da vida humana e, por outro era apresentada como uma solução-necessidade de utilizar embriões sobrantes de fecundação in vitro para curar doenças graves. 

(...)

E como conseguiu Yamanaka avançar com o seu projeto, acima dessas “pressões”?
Na minha opinião, a chave do êxito foi não se confrontar em discussões com os que investigam com células embrionárias. Ele constitui um marco que é: racionalidade, conhecimentos prévios e, como ponto de partida, nunca utilizar um embrião, nem sequer óvulos humanos para clonar. Entre outras coisas, uma vez declarou que a primeira vez que viu um embrião viu as suas filhas. Mas não se enreda em discussões. Há dois caminhos para obter células pluri-potenciais: destruindo embriões de poucos dias, ou programando células maduras retroativamente; Yamanaka prevê que este último é o caminho correto a seguir.

Esta descoberta fez com que se reescrevam livros e se abram novos campos à investigação, poder-se-ia dizer que pode implicar um volte face coperniano na história da medicina regenerativa, ou é demasiado presunçoso?
O campo de investigação que se abriu é para muitíssimos anos, para muitíssimos laboratórios: Chegou já o sonho dourado de ter modelos celulares de doenças humanas para que possam ser estudadas, testar fármacos, estudar tóxicos, etc. Além disso, volta a estar ao alcance da mão, em poucos anos, uma possível via de cura de doenças degenerativas ou de destruição de tecidos. Agora, em 2012, conseguiu – com os gâmetas obtidos por reprogramação retroativa e maturados in Vitro – o primeiro modelo para estudo da infertilidade e planear estratégias para a sua possível cura.

No entanto, fica ainda muito trabalho por fazer e nalguns casos será mais difícil do que noutros, mas é possível. Não sei se se poderá falar de volte face coperniano, mas é realmente uma referência para os cientistas. 

(...)

Desde que iniciou o seu trabalho foi literalmente assediado pelos que desejavam manter a utilidade das células embrionárias, como controlos imprescindíveis para as iPS (células-mãe pluri-potenciais induzidas). Yamanaka expressa nalguns dos seus artigos que se trata de um tema científico no qual há que deixar de fora a ideologia e a política. E resolve também esse ponto sem ceder no uso de embriões. A racionalidade científica é uma fonte de conhecimento. Não sei se ele tem ou não princípios religiosos, o que demonstrou ter é retidão e não em nome da religião, mas no da ética da investigação científica.

De facto a ciência pode chegar a certezas e dar o sentido biológico, natural de uma realidade ou de um processo. A racionalidade ética dá o sentido humano dos processos vitais do homem. A fé dá a razão última, o sentido pleno da vida e da dignidade humana. Esse caminho é de uma beleza excecional quando se percorre com a plena liberdade de quem procura a verdade.

Depois de todas as aberrações cometidas no século XX, as investigações de Yamanaka são um bom argumento para falar à comunidade científica de que nem tudo é lícito?
Com certeza. Quando se lançou a bomba atómica, Bohr (um dos pioneiros da energia nuclear) confessou que se tivesse pensado, nalgum momento, nas consequências das suas investigações, se tivesse sido mais prudente ao falar nas suas aulas, seguramente não teriam participado tantos dos seus discípulos no fabrico da bomba. Não se pode dizer: “eu investigo teoricamente e os biotecnólogos que utilizem as conclusões”. Não há uma linha de separação.

Num momento como o atual, em que o desprezo pelo embrião, pela vida nascente e pela transmissão da vida humana é tão forte, este é um testemunho que pode fazer refletir profundamente.
(...)

Toda uma gama de falsos pressupostos criou a ideia geral de que o embrião humano não tem o caráter próprio do homem. Nunca uma ideologia tão falsa foi orquestrada desta forma universal. Nela se basearam modos de vida, conceitos de família, etc., que amparados pelas leis, querem apresentar a fé e a Igreja como inimigas do progresso. Creio que esta situação dá um valor único às posições deste grande Prémio Nobel.

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