Esta semana, a pátria teve um leve sobressalto quando viu a taxa de natalidade, mas o assunto
voltou rapidamente à colecção de não-assuntos. Eu compreendo: se começassem a falar de
apoios à natali-dade, políticos, jornalistas e comentadores ainda perdiam, coitadinhos, as credenciais
progressistas. Como se sabe, esses assuntos são coisas de fachos e reaças, e há que manter a
feira das vaidades moderninhas e pós-moderninhas até ao fim. Mas, se não se importam, eu gostava
muito de deixar um post-it reaça no frigorífico progressis-ta da pátria: se nada for feito ao
nível das políticas de família, Portugal vai atravessar um inverno demográfico que criará a tempestade
perfeita. A actual crise é um pequeno aguaceiro ao pé do “Sandy” demográfico que estamos
a cozinhar.
Eu não exijo capas esvoaçantes e um S no peitoral, mas acho que ser pai nesta terra já deve dar
para entrar na escolinha dos super-heróis. Até porque o tal Estado social não existe neste campo.
Já sou pai, e continuo sem ver o Estado social. Começo a achar que este ser omnipresente
mas invisível é um daqueles clubes selectos que exigem sangue azul ou coisa parecida. É que
encontrar uma creche financeiramente acessível é como encontrar um homem honesto no Parlamento.
As IPSS de bairro são, sem dúvida, a melhor solução, mas repare-se na perversão do sistema:
se tiver um rendimen-to mensal de 2250 euros, o casal já pa-ga a mensalidade máxima,
cerca de 400 euros. É outra renda, que se junta à renda da casa e à renda das fraldas, medicamentos,
pediatra, brinquedos, leite de transição, frutinha, sopinha, roupinha e o cartão de sócio
do Benfica. Como se tudo isto não fosse suficiente, os mais velhos dizem-me que o sistema fiscal
não valoriza os filhos na declaração de rendimentos.Eu não sei onde é que anda o Estado social,
mas sei que o dito não está no sítio que deveria ser a sua primeira prioridade: as crianças, a formação
da família, a saúde demográfica da sociedade. Há muito Estado e pouco social no tal Estado
social. Num país esmagado por impostos e pela despesa pública, é incompreensível esta
ausência do Leviatã no mundo fofo das babás. Mas, afinal, para onde é que vai o dinheiro dos
nossos impostos? 0 Estado fica com metade da nossa riqueza e, mesmo assim, é incapaz de
apoiar como deve ser a rede de creches já instalada. Repare-se que não é preciso colocar a Mota-
Engil a fazer uma rede de creches estatais. Basta apoiar e expandir as IPSS que já estão no terreno.
A fim de diminuir as mensalidades dos pais, estas instituições deviam receber mais dinheiro
dos nossos impostos. Se não serve para apoiar as crianças e as famílias, se não serve para garantir
o futuro, o Estado social serve exactamente para quê?
A Maria quer ser mãe, mas tem uma complicação : entra na maternidade e tem de fazer um aborto
forçado. Além da dor física e mental, Maria tem de pagar uma taxa moderadora e os medicamentos.
Joana não quer ser mãe, entra na maternidade e faz uma interrupção voluntária da gravidez.
Além de não pagar nada ainda recebe uma espécie de subsídio de maternidade.
Até parece piadinha.
In Expresso
2012-11-10, Henrique Raposo
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