terça-feira, 1 de abril de 2014
JOÃO CÉSAR DAS NEVES
DN 2014.03.31
Os antigos eram excelentes sociólogos. Os nossos esforços para abandonar os seus ensinamentos apenas serviram para manifestar a sua sabedoria.
Há umas décadas a cultura ocidental, após ter tentado nos séculos anteriores revolucionar religião, política e economia, decidiu abalar a família. A ordem tradicional foi declarada um tabu tacanho e irracional impondo-se, em vez dela, como novidade a libertinagem mais total. Foi formulado um axioma sensual, decretando o prazer venéreo como supremo e absoluto. Cada um faz o que quer e a única regra é a falta dela.
Este fenómeno é estranho a vários níveis. Primeiro porque progresso e técnica pouco ou nada influíram neste campo. O que vem proposto como modernidade são realmente práticas arcaicas. Depois porque a justificação básica é o princípio de "os outros não terem nada" com a nossa vida pessoal. Ora é evidente que isso é precisamente algo em que outros têm muito a ver. Desequilíbrio e ruptura familiar, instabilidade educacional, solidão, depressão e abandono têm consequências muito mais devastadoras do que o comércio, trânsito, poluição ou tabaco, onde a nossa sociedade livre impõe moralismos totalitários e indiscutíveis.
A origem desta tentativa é fácil de entender. Fascinado com as maravilhas da técnica, a humanidade sente-se livre para abandonar velhas regras de comportamento, em geral com atrozes consequências. O progresso trouxe a terrível ilusão de mudanças na natureza humana. Os horrores da Revolução Francesa, União Soviética, etc. resultaram do esquecimento da estrutura social natural. Também a crise financeira global ou os desastres de automóvel vêm do descuido de velhos princípios de prudência. Nada se compara, porém, com o arrasador mito libertino contemporâneo.
Os nossos antepassados sabiam que, dentro de si, o ser humano permanece sempre igual. Apesar do progresso, continuamos a nascer da única forma possível, a respirar igual, comer e andar do mesmo modo, crescendo, amadurecendo, envelhecendo ao ritmo de sempre e, acima de tudo, acabamos morrendo. A evolução técnica é grande mas sempre ressurge a pergunta: "Qual de vós, por mais que se preocupe, pode acrescentar um só côvado à duração de sua vida?" (Mt 6, 27).
Por isso todas as épocas e culturas rodearam a vida pessoal, o aspecto mais íntimo e decisivo, de muitos princípios e regras. Casamento, procriação, cópula, educação, velhice, herança, são temas fortemente definidos pelo núcleo central de todas as culturas. Até nas tribos selvagens é nas normas familiares que se encontra o mais elevado nível civilizacional. Essas regras sempre sofreram múltiplas rupturas, evoluções, contrastes e conflitos, mas é inegável a sua existência e preponderância. Os motivos sempre foram óbvios: em campo tão delicado e decisivo, os desvios, mesmo pequenos, teriam sempre consequências terríveis. Durante milénios esses temores eram apenas imaginários, porque ninguém o tentara. Hoje tentámos, e vimos que eles tinham razão.
Os resultados da nossa experiência libertina são há muito evidentes. Explosão de divórcios e violência familiar, queda catastrófica da natalidade, patologias mentais, sobretudo infantis, pornografia, degradação da mulher, insucesso escolar, marginalidade, droga, exclusão, vício, miséria, suicídio. Da rejeição dos modelos anteriores resultou precisamente aquilo que os nossos antepassados previam. Se lhes tivéssemos perguntado por que razão impunham tantas regras, por vezes asfixiantes, eles certamente responderiam que era para evitar aquilo mesmo em que a nossa sociedade caiu logo que as abandonou.
A cegueira ideológica ainda nega a evidência, encontrando justificações variadas e falaciosas. O Estado insiste nos supostos "avanços familiares", interferindo com políticas sociais nos âmbitos mais íntimos. O propósito supremo é proteger desesperadamente o precioso postulado lascivo. Pode dizer-se que nisto o nosso tempo confirma o famoso epitáfio irónico: "Aqui jaz o homem que foi com um fósforo ver se havia gasolina no tanque. E havia."
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