terça-feira, 6 de julho de 2010

Pensar livremente

Na semana em que comemora 230 anos ao serviço da educação, a Casa Pia de Lisboa organizou um encontro sobre “Boas práticas na Área da Sexualidade”, ocasião para, volvidos quatro anos desde o seu início, mostrar o seu Projecto de Educação nesse domínio - PIPAS de seu nome - e a
avaliação dos respectivos resultados.
Não conheço em detalhe todos os objectivos e conteúdos do programa mas, nascido da preocupação de prevenir o abuso, percebi na sua génese a intenção firme de educar a pessoa humana – crianças e adolescentes, alguns com complexas necessidades educativas – na sua globalidade, procurando tornar os alunos pessoas mais completas e mais aptas em áreas cruciais do desenvolvimento humano que as difíceis circunstâncias em que hoje se cresce não favorecem nem potenciam - compreender-se emocionalmente, agir como ser social, ser capaz de decisão moral - condições que conformam e regulam a interacção humana e são potenciadas pela estruturação das atitudes e valores que permitem a autonomia e a responsabilidade.

A pedagogia dominante é reflexiva, opção funcional e segura: há sempre um dia em que cada um de nós deve escolher e decidir pela sua própria cabeça e não há melhor protecção contra o risco do que a capacidade treinada de tomar decisões racionais, escolher a informação, trabalhá-la com olho crítico, pensar bem antes de agir. Também verifi quei que não cai no erro de ignorar que há na sexualidade um “muito”, fundamental, que não é sexo, e que é esse lado amadurecedor da sexualidade e da pessoa que a escola melhor pode educar e enriquecer, sem esquecer nem fragilizar as outras metas educativas que os estabelecimentos de ensino – e, neste caso, também as várias formas de acolhimento – necessitam considerar e alcançar. Tão pouco se furtou ao desafio de ensaiar trabalho com as famílias e abriu-se a progredir pedagogicamente nos domínios curriculares tradicionais através do esforço feito para procurar novas formas de ensinar a ser.
Além do mais, contrariando a laxista cultura que domina o educar português e o uso, abusador, dos financiamentos estatais, contratou uma parceria externa que propiciasse uma cuidadosa, qualificada – e pública – avaliação externa do programa. É do melhor que já vi neste domínio.
Entretanto, a Fundação Francisco Manuel dos Santos publicou uma obra de Maria do Carmo Vieira, “O Ensino do Português”, cuja leitura recomendo como um acto de cidadania esclarecida. Conciso e objectivo, usa devidamente a língua pátria e a gramática da razão para demonstrar –
repito, demonstrar – como a extrema imbecilidade de que está infectado o nosso sistema de ensino destroça e diminuí, sistematicamente, a perigosa faculdade de pensar. Explica bem o fundamento ideológico das doutas opções “educativas”, a estupidifi cação massiva e duradoura dos petizes, a nobre arte política de reduzir a zero a Literatura, eliminar a Filosofia, desprezar a História.

Como dá muito trabalho governar pessoas que pensam e o pensamento produz, só por si, resultados inesperados e incontroláveis, reduzamos o perfil do cidadão a um domesticado ignorante que se emprega, de corpo e sem alma, ao exercício automático de carregar nos botões proporcionados pela maravilha do choque tecnológico. Mais assustador é, como se sublinha, o servilismo com que as escolas aceitaram, sem crítica nem responsabilidade, endeusar a tecnologia, inculcar a amnésia, afundar com as humanidades o processo de humanizar a pessoa que se chama educação. Diz a Fundação, na apresentação da colecção em que o texto se integra, que o seu desígnio se resume em duas palavras: pensar livremente. Flagrantemente oportuno, logo no número um.

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