domingo, 9 de agosto de 2009

"O fim da vida não tem de ser um período de sofrimento"


Quem a conhece diz que está sempre a sorrir. Ela define-se a si própria como "bem-disposta, apesar de muitas circunstâncias". É certo que aquilo que faz durante todo o dia dificilmente despertará um sorriso a alguém. Mas Isabel Galriça Neto é peremptória: "Ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, trabalhar nesta área não é deprimente.


"A área é a dos cuidados paliativos - uma especialidade que procura intervir no sofrimento de doentes muito graves e incuráveis. Galriça Neto é directora desta unidade no Hospital da Luz, presidente da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos, e agora candidata independente pelo CDS/PP a um lugar no Parlamento. Para onde quer levar a sua experiência nesta área, numa legislatura que discutirá o testamento vital e, com grande probabilidade, a eutanásia. Uma questão para a qual Isabel Galriça Neto tem uma resposta: não. Reconhecer o direito à eutanásia seria "a sociedade render-se à sua incapacidade de ajudar".


Invoca "15 anos de experiência, com milhares de doentes", para defender que esta não é a solução. "O ano passado tive três situações de pedidos de eutanásia. Dos três, nenhum se manteve consistente", argumenta, defendendo que tem de se mostrar às pessoas que há "possibilidade de intervenção" no sofrimento. Mas, e se um doente escolher a eutanásia? A sociedade tem o direito de lhe dizer que não? "Aquilo que vejo na experiência de outros países é que, em nome do direito individual, a colectividade tem problemas. Abriu ali um filão, abriu uma porta, torna-a facilitadora."


A médica e candidata à Assembleia da República sustenta que a eutanásia "não tem nada de revolucionário, é redutora". E que a luta deve ser outra: "Os que não têm acesso a cuidados paliativos, e que têm a ideia de que só a eutanásia é que lhes acaba com o sofrimento, é óbvio que vão pedi-la. A escassez de cuidados paliativos enviesa os pedidos de eutanásia.


"Isabel Galriça Neto acrescenta que o fim da vida "não tem de ser um período inevitável de sofrimento", sem espaço para mais nada - "Pergunte a um doente meu que esteve a beber uma cerveja e a comer uns caracóis que lhe arranjámos."


"Isto não se faz com beijinhos"


Nascida em Lisboa, em 1961, Isabel Galriça Neto cedo escolheu o que viria a ser o seu percurso profissional - e disso deu sinal aos 14 anos, quando quis assistir, no bloco operatório, a uma cirurgia ao avô paterno. Formou-se na Faculdade de Medicina de Lisboa e fez a especialidade em clínica geral. Em 1992, uma visita a Inglaterra - onde pela primeira vez tomou contacto com os cuidados paliativos - coincidiu no tempo com a doença do avô materno, afectado por um cancro. Foi o início do percurso que seguiu até hoje, numa área ainda olhada com estereótipos. "Os cuidados paliativos são vistos como uma área de caridade, em que somos todos bonzinhos, fazemos festinhas aos doentes." Errado, acrescenta: "Isto não se faz com beijinhos. Faz-se com um bom controlo dos sintomas, apoio à família, trabalho em equipa, uma boa comunicação com o doente."


Texto daqui (DN).

Imagem daqui.

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