quinta-feira, 22 de maio de 2008

Maio, maduro Maio…


Estava sol. Uma rua banhada de sol, nos arredores de Paris. Mas estava deserta, não havia ninguém.
Faço anos em Maio, a minha mãe também. Eu tinha 7 anos, acabados de fazer, ela 33, acabados de fazer.
Ia pela mão dela rua fora, em direcção a casa. Ficou-me na memória esse momento, esse silêncio estranho na rua,
Pelas palavras enigmáticas da minha mãe, entendi que algo de peculiar se estava a passar. Não me lembro o que ela me disse, mas entendi que por qualquer razão insondável eu deveria reter aquela imagem, aquele momento. O meu pai tinha ido para o escritório, no centro de Paris, apesar da progressiva paralisação da França. Era Maio, Maio de 1968. A França estava paralisada, suspensa… Passados 20 dias de paragens laborais e distúrbios estudantis, o Presidente Charles de Gaulle ordenou aos franceses que retomassem o trabalho, que voltassem a por a França a funcionar.

Não vale a pena revisitar os acontecimentos. Quem quiser, facilmente acede à cronologia na net ou nos múltiplos artigos recém publicados na imprensa, assinalando os 40 anos da “revolta dos estudantes”. De facto vale a pena recordar a efeméride por ser tão significativa ainda hoje. Muito do que a sociedade actual faz e pensa vai beber ao novo paradigma saído do Maio de 68. Em particular, em matéria de costumes e de comportamentos morais. Em especial em matéria de comportamentos sexuais. A prosperidade dos anos 60, e a popularização da pílula contraceptiva, transformaram por completo a forma como a sociedade passou a olhar a família, a religião, a autoridade, a vida.
A geração “baby boom” do pós-guerra, ao atingir a maioridade, achou que podia desprender-se de todas essas amarras do passado: família, religião, autoridade, e rapidamente as pôs de lado. Os novos ideais passaram a ser a liberdade, o individualismo, mais tarde também o consumismo como alternativa ao comunismo. Se a guerra do Vietname foi de início uma fonte de inspiração para a indignação dos jovens, a ânsia de liberdade sexual constituíu uma motivação ainda mais forte. Se fosse 10 anos antes, os jovens nunca teriam conquistado essa liberdade, em Maio de 58... Nos anos 50, a sociedade estava mais apostada em reabilitar-se e em reconstruir países devastados pela guerra e genuinamente empenhada em refazer o bem-estar e a normalidade famíliar. Trabalho, esforço individual e colectivo, luta por uma Europa unida eram os ideais dos anos 50. Mas agora, em final dos anos 60, a prosperidade era cada vez maior, os progressos da técnica e da medicina proporcionavam benefícios antes inimagináveis, o homem chegara à Lua. Porquê manter os velhos princípios, as velhas regras, a antiga moral? Que sentido fazia agora a família tradicional, se o prazer estava completamente acessível sem quaisquer consequências? Diante deste admirável mundo novo a transbordar de inovações, oportunidades e progresso material, os jovens decidiram quebrar os tabus: exigir a liberdade total, sem regras, sem limitações, sem proibições. A liberalização sexual conquistada pelos jovens, afinal de contas uma mera réplica das infidelidades sexuais encobertas dos mais velhos. A falta de disciplina dos pais a traduzir-se na indisciplina dos filhos. A falta de coerência dos mais velhos a converter-se em mau exemplo para a vida dos mais novos.

Depois do Maio de 68, muitas coisas impensáveis sucederam: o primeiro choque petrolífero, a queda de Saigão, o Watergate e a queda de Nixon, o divórcio, o aborto. Salvador Allende versus Pinochet em 11 de Setembro de 1973. A droga e a SIDA. A quebra da natalidade e o envelhecimento da sociedade. O terrorismo e o 11 de Setembro de 2001. E o homem não voltou à Lua.

Quanto a nós, voltámos a Portugal em Junho de 68.

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