terça-feira, 10 de setembro de 2013

Caminhar sem chão

 
 
A nossa inteligência pode não compreender que a complexidade que julga ver é afinal apenas fruto dos seus próprios limites...
Pode alguém acreditar no bem e não o protagonizar na sua vida? Infelizmente, para os próprios, sim.
Pode alguém, sem fé em Deus algum, ser, eventualmente, digno da eleição para uma alegada salvação? Felizmente, para todos, sim.
As nossas ações realizam-nos, no sentido estrito do termo: tornam real algo que era antes mera hipótese. A nossa vida é uma permanente e dinâmica construção do nosso ser, uma viagem que nos leva de um quase nada, com potencial, a algo bem concreto: um ser humano definido numa plenitude, absolutamente sua.
Os caminhos que escolhemos marcam a nossa existência, mas as nossas decisões fundamentam-se naquilo em que acreditamos, naquilo que confiamos ser a verdade. Ao limite, é sempre a fé que motiva para o bem... mas, muitas vezes, não conseguimos praticar o bem em que acreditamos porque escolhemos dar prioridade a outras vontades, apetites aparentemente mais agradáveis... a razões tão mais mundanas.
Não faz sentido que a fé seja o critério quando ela não se faz concreta.
Talvez na existência haja muitos caminhos errados e apenas um certo: o do amor. O egoísmo reveste-se de inúmeras formas. O amor, quando autêntico, é simples, perfeito e único.
Quando nos damos a alguém, numa palavra ou gesto, estamos a construir felicidade nessa pessoa. Colocamo-nos, de forma integral, ali. Nas suas mãos. E é quanto mais assim nos damos, quanto mais nos perdemos pelo nosso vizinho que, paradoxalmente, nos fazemos mais consistentes e valiosos, nos enchemos de uma alegria funda, tão funda que coabita bem até com tantas lágrimas de sofrimentos menos íntimos.
Fé é confiança. Viver tendo por certo o que é apenas uma espécie de promessa do possível, seguindo adiante mesmo sem compreender... aceitando cada coisa com um sorriso, fundo.
Uns acreditam que é nos egoísmos que encontrarão a felicidade e a paz, e lutam por isso... outros, não... estes, compreendem que é dando-se que se alcançam a si mesmos; que é amando que encontram o caminho da paz, aquele que permite que se seja feliz em qualquer lugar.
Amar é abdicar de si mesmo em favor do outro e implica cruas e duras consequências... duríssimas. Mas é o caminho certo... porque só esse faz, verdadeiramente, sentido. Por mais irracional que pareça. A nossa inteligência pode não compreender que a complexidade que julga ver é afinal apenas fruto dos seus próprios limites... pode não estar à altura de abarcar e abraçar a simplicidade de tudo.
Um homem é a fé de que for capaz. A dureza e o peso da tristeza que se abate sobre aquele que desespera chegam-lhe do vazio dos sonhos que deixou que se tornassem impossíveis, da preguiça do egoísmo que o paralisou e o levou à perda de si mesmo.
Só pelas ações concretas podemos alcançar o céu da existência, mas o caminho para se lá chegar passa por muitos pontos onde somos chamados a dar passos adiante por cima do nada, por onde não se vê chão... por onde não há chão.
Mas, o caminho certo é aquele onde, em paz funda, se é feliz em qualquer lugar...
Não é fácil. Nada. Mas valerá a pena, qualquer pena, por mais penosa que seja... As maiores dores são as que obrigam alguns homens a engrandecer-se para lhes fazer frente e seguir adiante... é de fraquezas que se faz a força.
Os sofrimentos filtram as vontades e os méritos... e, claro, nem todos se fazem dignos de ser felizes.
Por José Luís Nunes Martins
Fonte: "Jornal i"

 

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