Austeridade e pobreza
O aumento da desigualdade foi já reconhecido como uma das principais consequências da crise. E, a pergunta que se coloca é se a União Europeia poderá suportar custos económicos e sociais devastadores e de longo prazo, provenientes da consolidação fiscal e das medidas de austeridade, dado que estas só terão tendência para gerar um aumento ainda mais significativo da desigualdade em termos de rendimento.
Os rendimentos dos mais pobres foram ainda mais encolhidos, devido a um conjunto de circunstâncias, bem conhecidas dos portugueses, como o aumento da carga fiscal, as reduções de salários, os cortes nas pensões e demais benefícios sociais. Adicionalmente, a erosão no poder de compra está igualmente a ser encarada como uma enorme ameaça. Em muitos países da Europa, o gás, a electricidade e a água, em conjunto com as rendas de casa e os custos com a alimentação, estão a subir e, em países como a Hungria e outros pertencentes à Europa central e de leste, estes impactos estão a ser devastadores. Como refere o relatório da EAPN e relativamente a estes países em concreto, “a maioria das pessoas que vive agora em estado de pobreza não se pode dar ao luxo de usar o gás para aquecimento, retirando madeira das florestas para se aquecer”. Por outro lado, a tendência para a subida de preços dos bens essenciais parece ter começado antes do eclodir da crise e pode também ter contribuído para o endividamento excessivo dos cidadãos e para a própria crise.
A rede europeia Eurochild alertou também recentemente para uma potencial “geração perdida”nas famílias desproporcionalmente afectadas pela crise. A rede alerta para os efeitos físicos e psicológicos nas crianças, agravados pelos cortes na educação, nos cuidados de saúde e nos subsídios para as ONG. As taxas de desemprego entre os jovens estão acima dos 20% em muitos países, atingindo proporções devastadores na Estónia, em Espanha e em Portugal (35,9%, de acordo com dados de Agosto). Os trabalhadores migrantes estão em risco particular num número alargado de países, com a agravante de poderem vir a perder o seu visto de residência face à iminência do desemprego. Também os grupos étnicos mais vulneráveis e, em especial, os cidadãos de etnia cigana, estão a ser crescentemente tratados como bodes expiatórios, nomeadamente na Eslováquia, na República Checa e em França.
Muitos dos piores impactos sociais da crise não são ainda suficientemente aparentes, mas parecem não existir dúvidas de que as suas implicações serão sérias e de longo prazo. Os mesmos incluem a pobreza envergonhada, o aumento do desemprego, a erosão das condições de trabalho, as tensões familiares, o agravamento das situações de stress, de violência e das doenças crónicas, a perda de confiança e de aspirações por parte das crianças e dos jovens, bem como o medo de perder a casa, o aumento do endividamento e até potenciais situações de sem-abrigo. Muitas das redes pertencentes à EAPN referem, no interior dos países onde operam, índices preocupantes de carências várias, empobrecimento, aumento da violência doméstica e urbana. Ou, em suma, estamos a viver numa era onde uma maior competitividade por recursos mais escassos, sobretudo entre os mais pobres, poderá levar a um aumento preocupante dos níveis de intolerância, racismo e xenofobia.
Desemprego: quem sai não volta a entrar
O desemprego, sobretudo o que afecta os jovens, constitui indubitavelmente a face mais visível da crise. O desemprego entre os homens foi o que emergiu primeiro, mas as mulheres acabam por ser mais afectadas pela eliminação de empregos no sector social e no sector de serviços que está a abrandar na maioria das economias europeias. Os serviços são responsáveis por cerca de 70% a 80% do emprego, sendo que aqueles que salários menores pagam são dominados pelas mulheres. E, se existe uma concordância entre as várias redes anti-pobreza da Europa o principal problema é que quem perde o emprego, dificilmente o consegue recuperar.
Os estados-membros da EU permanecem aparentemente comprometidos com a ideia da “inclusão activa” enquanto estratégia integrada para abordar a exclusão social através da garantia de apoios aos rendimentos, acesso a empregos decentes e a serviços de qualidade. Mas e na prática, o resultado líquido deste compromisso não tem sido o de ajudar as pessoas a moverem-se da assistência social para o emprego mas, e como é visível, para a pobreza.
A avaliação do impacto social da crise feita pelo Comité da Protecção Social da Comissão Europeia demonstrou que as medidas para reduzir a despesa pública atacaram, antes de mais, os sistemas de protecção e inclusão sociais: diminuição dos períodos de subsídios de desemprego, benefícios reduzidos, redução de benefícios para adultos e crianças com incapacidade, abolição de subsídios de maternidade e de acção social escolar, cortes nos subsídios de doença, abonos de família, em conjunto com cortes no pessoal com lugar nos serviços sociais. E, apesar de nem todos os países estarem a implementar todas estas medidas, a realidade é que cada uma delas resulta num impacto gravemente severo nos que mais vulneráveis são.
A exclusão da segurança social por parte dos desempregados de longa duração e de outros sem historial de emprego é, há muito, um dos grandes problemas que a Europa enfrenta. Todavia e actualmente, e em nome da “modernização da protecção social”, as instituições europeias estão a encorajar a restrição da elegibilidade para os benefícios sociais mesmo em países ricos, como a Suécia, a Dinamarca ou a Holanda, possuidores de sistemas sociais relativamente generosos. Apesar de tudo, existem algumas excepções a assinalar: a Estónia, por exemplo, aumentou os seus benefícios sociais desde Janeiro de 2011 e o seu governo tem uma estratégia aparentemente adequada para investir no emprego. Existem igualmente alguns movimentos positivos no que respeita à educação e formação para desempregados na República Checa, na Suécia e na Finlândia. Todavia, os países que estão a apostar em formação o suficiente para fazer a diferença são mesmo uma minoria.
© DR
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Fonte: Ver
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