terça-feira, 30 de outubro de 2012

Austeridade e pobreza



O aumento da desigualdade foi já reconhecido como uma das principais consequências da crise. E, a pergunta que se coloca é se a União Europeia poderá suportar custos económicos e sociais devastadores e de longo prazo, provenientes da consolidação fiscal e das medidas de austeridade, dado que estas só terão tendência para gerar um aumento ainda mais significativo da desigualdade em termos de rendimento.

Os media têm-se concentrado, ultimamente e de forma significativa, nos denominados “novos pobres”. Todavia e sendo inquestionável que são muitas as pessoas que acreditavam estar seguras e que estão agora a cair na pobreza, são muitos mais os que estão a ser severamente afectados pela crise e que provêm dos grupos mais vulneráveis – em particular, pessoas que já se encontravam em situações de pobreza antes de a crise deflagrar, em conjunto com os jovens (espera-se que, em 2013, 75 milhões de jovens europeus não tenham emprego), com as pessoas com poucos estudos, os migrantes, as minorias étnicas, os mais velhos e os agregados monoparentais.

Os rendimentos dos mais pobres foram ainda mais encolhidos, devido a um conjunto de circunstâncias, bem conhecidas dos portugueses, como o aumento da carga fiscal, as reduções de salários, os cortes nas pensões e demais benefícios sociais. Adicionalmente, a erosão no poder de compra está igualmente a ser encarada como uma enorme ameaça. Em muitos países da Europa, o gás, a electricidade e a água, em conjunto com as rendas de casa e os custos com a alimentação, estão a subir e, em países como a Hungria e outros pertencentes à Europa central e de leste, estes impactos estão a ser devastadores. Como refere o relatório da EAPN e relativamente a estes países em concreto, “a maioria das pessoas que vive agora em estado de pobreza não se pode dar ao luxo de usar o gás para aquecimento, retirando madeira das florestas para se aquecer”. Por outro lado, a tendência para a subida de preços dos bens essenciais parece ter começado antes do eclodir da crise e pode também ter contribuído para o endividamento excessivo dos cidadãos e para a própria crise.

A rede europeia Eurochild alertou também recentemente para uma potencial “geração perdida”nas famílias desproporcionalmente afectadas pela crise. A rede alerta para os efeitos físicos e psicológicos nas crianças, agravados pelos cortes na educação, nos cuidados de saúde e nos subsídios para as ONG. As taxas de desemprego entre os jovens estão acima dos 20% em muitos países, atingindo proporções devastadores na Estónia, em Espanha e em Portugal (35,9%, de acordo com dados de Agosto). Os trabalhadores migrantes estão em risco particular num número alargado de países, com a agravante de poderem vir a perder o seu visto de residência face à iminência do desemprego. Também os grupos étnicos mais vulneráveis e, em especial, os cidadãos de etnia cigana, estão a ser crescentemente tratados como bodes expiatórios, nomeadamente na Eslováquia, na República Checa e em França.

Muitos dos piores impactos sociais da crise não são ainda suficientemente aparentes, mas parecem não existir dúvidas de que as suas implicações serão sérias e de longo prazo. Os mesmos incluem a pobreza envergonhada, o aumento do desemprego, a erosão das condições de trabalho, as tensões familiares, o agravamento das situações de stress, de violência e das doenças crónicas, a perda de confiança e de aspirações por parte das crianças e dos jovens, bem como o medo de perder a casa, o aumento do endividamento e até potenciais situações de sem-abrigo. Muitas das redes pertencentes à EAPN referem, no interior dos países onde operam, índices preocupantes de carências várias, empobrecimento, aumento da violência doméstica e urbana. Ou, em suma, estamos a viver numa era onde uma maior competitividade por recursos mais escassos, sobretudo entre os mais pobres, poderá levar a um aumento preocupante dos níveis de intolerância, racismo e xenofobia.

Desemprego: quem sai não volta a entrar
O desemprego, sobretudo o que afecta os jovens, constitui indubitavelmente a face mais visível da crise. O desemprego entre os homens foi o que emergiu primeiro, mas as mulheres acabam por ser mais afectadas pela eliminação de empregos no sector social e no sector de serviços que está a abrandar na maioria das economias europeias. Os serviços são responsáveis por cerca de 70% a 80% do emprego, sendo que aqueles que salários menores pagam são dominados pelas mulheres. E, se existe uma concordância entre as várias redes anti-pobreza da Europa o principal problema é que quem perde o emprego, dificilmente o consegue recuperar.

Os estados-membros da EU permanecem aparentemente comprometidos com a ideia da “inclusão activa” enquanto estratégia integrada para abordar a exclusão social através da garantia de apoios aos rendimentos, acesso a empregos decentes e a serviços de qualidade. Mas e na prática, o resultado líquido deste compromisso não tem sido o de ajudar as pessoas a moverem-se da assistência social para o emprego mas, e como é visível, para a pobreza.

A avaliação do impacto social da crise feita pelo Comité da Protecção Social da Comissão Europeia demonstrou que as medidas para reduzir a despesa pública atacaram, antes de mais, os sistemas de protecção e inclusão sociais: diminuição dos períodos de subsídios de desemprego, benefícios reduzidos, redução de benefícios para adultos e crianças com incapacidade, abolição de subsídios de maternidade e de acção social escolar, cortes nos subsídios de doença, abonos de família, em conjunto com cortes no pessoal com lugar nos serviços sociais. E, apesar de nem todos os países estarem a implementar todas estas medidas, a realidade é que cada uma delas resulta num impacto gravemente severo nos que mais vulneráveis são.

A exclusão da segurança social por parte dos desempregados de longa duração e de outros sem historial de emprego é, há muito, um dos grandes problemas que a Europa enfrenta. Todavia e actualmente, e em nome da “modernização da protecção social”, as instituições europeias estão a encorajar a restrição da elegibilidade para os benefícios sociais mesmo em países ricos, como a Suécia, a Dinamarca ou a Holanda, possuidores de sistemas sociais relativamente generosos. Apesar de tudo, existem algumas excepções a assinalar: a Estónia, por exemplo, aumentou os seus benefícios sociais desde Janeiro de 2011 e o seu governo tem uma estratégia aparentemente adequada para investir no emprego. Existem igualmente alguns movimentos positivos no que respeita à educação e formação para desempregados na República Checa, na Suécia e na Finlândia. Todavia, os países que estão a apostar em formação o suficiente para fazer a diferença são mesmo uma minoria.
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Fonte: Ver
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