sexta-feira, 17 de abril de 2015
O Carlos começou a achar
a Sandra mais distante.
Ao fim de 8 anos de casamento, com os 3 filhos, o
trabalho e os multíplos afazeres da casa, tornou-se mais fria e parecia estar
sempre irritada e implicativa.
Até que um dia, ela explodiu e começou a falar
em divórcio e em levar os miúdos, dizendo que talvez sozinha fosse melhor para
todos. O divórcio poderia resolver os problemas e, cada um, poderia ainda
procurar outras vias e fazer, sozinho, aquilo que sempre gostaria de fazer e
que deixou de poder fazer por causa da família.
O Carlos ficou em estado
de choque.
Tudo lhe parecia tão garantido e seguro, tão garantido que começou a
descurar a atenção à Sandra, muitas vezes sem se aperceber, deixando de a
"cativar" e "namorar", sempre muito preocupado com tudo e
menos com o que devia estar em primeiro lugar. As prendas de namoro tinham
deixado de ter sentido, agora, que existiam outras despesas, prioridades e
diferenças que, antes nem se notavam, mas que agora se tornaram ensurdecedoras.
A Sandra gosta muito de sair enquanto o
Carlos é mais caseiro e pacato; o Carlos levanta-se sempre cedo ao fim de
semana enquanto a Sandra gosta de ficar na cama até tarde, e ele acaba por
criticá-la, dizendo "com tantos filhos, como é que podes ficar na cama até
tão tarde!". A paciência começa a esgotar-se para cada um dos lados e
aqueles defeitos que, no início, pareciam virtudes, agora tornaram-se
insuportáveis enquanto que até as virtudes do outro mais parecem agora defeitos
desagradáveis.
No inicio o Carlos e a
Sandra falavam tanto (e era tão bom!), mas isso foi-se perdendo no meio dos
afazeres do relatório que ainda tem de ser enviado hoje, das fraldas que falta
trocar, do remédio que se esqueceu de dar à que está doente, da roupa que ficou
dentro da máquina por estender, na loiça lavada que falta arrumar, nas compras
que há por fazer, nas contas que há que pagar...
O Carlos acabou por concluir
que o peso da família matou o que de melhor deveria ter cultivado, o namoro com
a Sandra; a sua atenção para com ela, o diálogo; o carinho. Tudo passou a
parecer dispensável em face das prioridades do trabalho que lhe dão dinheiro
para pagar as contas e dos cuidados aos filhos.
A palavra “amor”, no meio do
cansaço do trabalho e dos afazeres diários perdeu força e sentido.
Será então a
separação a cura para estes males, como se de uma solução milagrosa se tratasse?
Infelizmente todas as
famílias são alvos a abater e a
separação e o divórcio parecem ser o caminho mais
fácil.
O difícil é enfrentar os problemas,
fazer “stop” e “rewind” e recomeçar sempre, ainda que uns
meses depois se volte ao mesmo e se tenha de fazer um novo “stop” e um novo“rewind”.
Mas quem é que disse que a vida em geral e a vida familiar tinham de ser sempre
um caminho paradisíaco feito só de coisas bons e sempre para melhor ?
Há muitos anos atrás
dizia-se que quando se avariava alguma coisa, não se deitava fora, mas
reparavam-na. Em Lisboa existia mesmo um “hospital das camisas” onde as golas
gastas eram substituídas nas camisas mais antigas que, desta forma, voltavam ao
uso, como novas.
Hoje em dia o casamento é algo descartável,
tal como um bébé indesejado ou um idoso acamado. Nas telenovelas e nas revistas
cor-de rosa é isso que nos ensinam. Quando corre mal, acaba-se e segue-se em frente à procura
da felicidade num outro lugar, numa outra relação. Porque o que
interessa é as pessoas serem sempre felizes, em cada
momento e “sentirem” de forma permanente emoções e sentimentos.
Com a falta de
tempo, as pessoas deixam de reflectir e passam a agir apenas por reacções,
como de animais irracionais se tratassem.
Desistir e não enfrentar as dificuldades, por maiores que sejam, parece
sempre ser a melhor solução, mas a realidade é que a desistência trás consequências mais graves e piores que o
próprio problema de origem.
O Carlos e a Sandra arriscam tentar, de novo, e de novo, voltarão
a tentar outra vez, ou preferem simplesmente desistir ?
Artigo de opinião de Abril do "Notícias de S.Brás"
Miguel Reis Cunha
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