quinta-feira, 16 de abril de 2015

A esquerda acordou para o problema da crise demográfica

Esta avalancha de propostas para promoção da natalidade chega com mais de 20 anos de atraso. Pior: são propostas sem custos quantificados que podem ir para o lixo após Outubro

 
... E, de repente, todos os partidos com assento parlamentar acordaram para o problema da natalidade. Mais vale tarde que nunca, é certo. Mas este “tarde”, com as eleições de Outubro em pano de fundo, é mesmo demasiado tarde. São muitos anos a negar o óbvio:um país que não consegue renovar as suas gerações, um país em que morrem mais pessoas do aquelas que nascem é um país que está condenado a não ter futuro.
 
Recordemos a data em que a natalidade começou a ser um problema: 1981. Este foi o último ano em que as mulheres portugueses tiveram, em média, 2,1 filhos. Hoje temos praticamente metade deste valor. Isto é, a renovação de gerações deixou de ser feita em Portugal há mais de 34 anos. Desde o início dos anos 90 que temos das mais baixas taxas de natalidade da União Europeia. Há mais de 20 anos, no mínimo, que este é um problema que, qual bola de neve, não pára de crescer sem que nenhum partido parlamentar enfrentasse a questão de frente.
 
Tal aconteceu por várias razões, como a subida do poder de compra ter transformado os adultos em seres mais egoístas. Mas, considerações filosóficas e sociológicas à parte, não é menos verdade que se trata também de um problema cultural do regime democrático. Consciente ou inconscientemente, os valores da família e da natalidade sempre foram associados pelas forças partidárias e culturais da esquerda portuguesa à ditadura do regime salazarista, como se fossem valores negativos, ultrapassados e decadentes.
 
Foi devido a essa cultura, apoiada por boa parte da comunicação social, que a gravidade do problema da natalidade foi sendo totalmente desvalorizada. Em vez de discutir soluções para promover o nascimento de mais crianças, a esquerda focou-se em discutir causas fracturantes como a interrupção voluntária da gravidez ou os direitos civis dos homossexuais e conseguiu convencer o país a não debater os temas ligados à família. 
 
 
(...)
 
Foi necessário chegarmos a este ponto dramático em termos de natalidade para todos os partidos abrirem os olhos para o assunto. Todos os projectos de lei ontem apresentados no parlamento têm, coisa rara, aspectos positivos. Mas também todos têm um problema comum: não quantificam os custos financeiros para o Estado de todas as propostas e são apresentados a seis meses das eleições. O que faz com que seja lícito pensar que terão o mesmo destino do último grande pacote da natalidade apresentado em 2009 por José Sócrates: o caixote do lixo. Do pacote Sócrates ficou apenas o alargamento da licença de maternidade para seis meses, e pouco mais. É,por isso, fundamental que a maioria PSD/CDSe o PS aprovem em conjunto as medidas essenciais para que estas perdurem no tempo. Poderá ser o início do combate ao problema, que é real há demasiado tempo. Empurrar os problemas com a barriga nunca é a solução. Há sempre o dia em que a realidade nos bate na cara de forma violenta, como sempre acontece a quem gosta de ilusões.

Por Luís Rosa, jornalista e diretor de informação do diário "i"
publicado em 16 Abr 2015 in diário "i"

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