Entrevista ao novo presidente da APFN
Luis Casal Ribeiro Cabral, especialista em ginecologia e obstetrícia, tem 12 irmãos e é pai de sete filhos, o mais velho dos quais é um padre de 43 anos. Com a excepção deste, todos os filhos do médico também já são pais ou mães — Luís Cabral conta com 18 netos, “a caminho de 20”, que gosta de ter por perto, casa cheia.
O mais recente inquérito à fecundidade revelou que as pessoas dizem que desejariam ter 2,31 filhos, em média. Porém, têm menos — 1,21 é o chamado índice de fecundidade. A que se deve este hiato? É só a questão económica, é uma questão cultural?..
Não é uma questão de dinheiro. Os países que têm mais filhos são os mais pobres, do centro de África, e os que têm menos crianças são os mais ricos, América do Norte, Europa, Austrália... É uma questão de mentalidade...
E que mentalidade?
A escolha de ter filhos passa por milhares de factores, não é por ter mais poder de compra que se tem mais filhos.
Mas a maioria dos portugueses querem ter filhos, mostra o inquérito. E no entanto adiam, adiam e acabam por ter poucos — só um, na maior parte dos casos. No Norte da Europa também se adia. A questão é que quando no Norte da Europa decidem ter filhos as pessoas têm vários, como explicava recentemente a demógrafa Maria João Valente Rosa que diz que os portugueses pensam assim: “É preferível ter só um filho com mais oportunidades e menos restrições do que ter mais”...
Sim, pode haver, nalguns casos, essa mentalidade de querer dar tudo ao filho, do ponto de vista material. E é mais fácil dar tudo a um filho do que a dois ou a três... Mas quem puser o valor do dinheiro acima dos outros valores obviamente que não vai ter muitos filhos. Ou não vai ter de todo. Nós, como associação, respeitamos as opções de cada pessoa. Aquilo que defendemos é que aqueles que optam ou que, por acaso, têm mais filhos, não sejam prejudicados por esse facto. Não somos anti-natalistas, como é óbvio, mas também não somos pró-natalistas.
Neste momento, os governos ocidentais, nomeadamente na Europa, começam a preocupar-se com políticas natalistas, mas efectivamente é mais importante cuidar dos que já cá estão. Porque se essas políticas vão dar resultado ou não é uma incógnita...
Em alguns países têm dado...
Há países que já conseguiram reverter um bocadinho a quebra da natalidade, como a França, mas ainda com valores muito baixos, que não chegam aos 2,1 [filhos por mulher, valor que garante a substituição das gerações]... O número de filhos que temos por casal leva-nos a olhar para nós quase como uma espécie em vias de extinção. Nós portugueses, nós ocidentais. Isto tem reflexos na economia, no Estado Social, de que tanto nos orgulhamos mas que não é sustentável desta maneira.
Vê as famílias numerosas como um exemplo?
É exactamente isso que penso. Devemos olhar para as famílias numerosas e defender os interesses das famílias numerosas para que os que queiram ter filhos — ou os que queiram ter mais filhos do que têm — vejam que é possível e que não serão prejudicados por ter os filhos que desejam.
O Governo pretende apoiar, com recurso a verbas europeias, o trabalho a tempo parcial [O ministro Mota Soares já explicou a medida assim: “Uma mãe ou um pai pode vir mais cedo para casa, pode eventualmente vir a trabalhar apenas meio dia, que o Estado suporta o restante”]. O que lhe parece? Há quem diga que isto vai penalizar as mulheres — porque na nossa sociedade na hora de ficar em casa ainda são essencialmente as mulheres que ficam. E isso tem consequências nas suas carreiras...
Das duas, uma: ou a sociedade — e os governos — está interessada e preocupada com esse assunto e quer efectivamente inverter esta situação de baixo índice sintético de fecundidade, de poucos filhos, da população estar a diminuir, de termos em breve sete milhões de habitantes, ou estão preocupados com isso e querem fazer alguma coisa, ou não estão. Se estão preocupados, isso passa pelo Estado, mas passa também pelas empresas, pelos cidadãos, pelos indivíduos. Como já falámos, é uma questão de mentalidade. Há muito a fazer por parte das empresas. Esse trabalho a tempo parcial, por exemplo, é uma coisa que pode facilitar a vida das mulheres. Uma mulher que pretende ter filhos deve ser enaltecida e não olhada de lado e não vista como uma pessoa que não rende à empresa.
Joaquim Azevedo, investigador que apresentou recentemente um plano de incentivos à natalidade, encomendado por Pedro Passos Coelho, disse há pouco tempo que há mulheres que são despedidas quando engravidam...
O que é lamentável. Por outro lado, o que for feito [para incentivar a natalidade] tem de servir as duas partes, a empresa e o trabalhador, caso contrário a longo prazo não vai resultar. Uma coisa que observo, e sou obstetra, é que muitas vezes as grávidas com uma gravidez que está a decorrer normalíssimamente e sem qualquer incidente, metem baixa muito cedo, ou durante quase toda a gravidez. Ora a gravidez não é uma doença. Obviamente que há gravidezes patológicas e casos especiais, mas a gravidez não é uma doença. Portanto toda a sociedade tem de mudar um bocadinho a mentalidade. E claro, também as próprias empresas — sabemos que há empresários que pouco fazem em relação a uma mulher que engravida no sentido de lhe facilitar a vida.
Há trabalhos mais consentâneos com a condição de grávida, ou com a condição de ter filhos menores. Há possibilidade do trabalho em part-time. Há a possibilidade de as empresas terem creches para os filhos pequenos...
Há muitos anos que está na APFN: as empresas estão mais sensíveis ou nada mudou nos últimos anos?
Pouco tem mudado. E parece que até existe um certo receio em enaltecer ou incentivar a natalidade — como se se déssemos muitos incentivos as mulheres desatassem para aí a ter filhos. Não é isso que vai acontecer. Muitas empresas olham com desconfiança e desprestigiam as mulheres que têm filhos.
36% das mulheres e mais de 40% dos homens acham que as crianças até à idade escolar saem prejudicadas quando as mães trabalham fora de casa. Nalguns casos, esta convicção, cria enormes sentimentos de culpa às mulheres.
A mentalidade tem que mudar, a mulher tem direito à carreira, a trabalhar e é possível perfeitamente conciliar trabalho e família. Não gosto de dar estes exemplos, mas a senhora que está à frente do grupo de electricidade francês tem sete filhos; a ministra da Defesa alemã também. Mas vamos falar das mulheres normais e conheço muitas mulheres, de minha família inclusivamente, que fazem uma carreira muito boa do ponto de vista profissional, com os seus filhos.
Ou seja, não é só ajudas estatais. Tem de haver uma mudança de mentalidades nas empresas, e entre nós todos, nos cidadãos.
Tem-se debatido muito a questão das ajudas...
O projecto da natalidade [apresentado por Joaquim de Azevedo ao Governo] e o anteprojecto de reforma do IRS... o simples facto do problema estar em cima da mesa, de estar a ser debatido, representa muito. Da parte de quem nos governa e dos partidos políticos, porque isto no fundo tem de ser transversal e todos os partidos se têm manifestado a favor da família. Nos últimos meses — ou se calhar, neste último ano — tem havido atitude pró-activa da parte de quem nos governa...
O que o líder da oposição, António José Seguro, veio dizer quando o plano da natalidade foi apresentado foi qualquer coisa como isto: apresenta-se um plano, mas as políticas do Governo nos últimos anos são anti-natalistas...
Claro que um contexto económico desfavorável com uma grande taxa de desemprego não é favorável. Essas medidas [do plano da natalidade] podem ser úteis para quem já tem uma certa base. E essa base passa pelo menos por ter um emprego.
O que tem a dizer sobre o que está a ser estudado do ponto de vista fiscal (a comissão para a reforma do IRS apresentou propostas em Julho)?
O que sempre temos defendido é que cada filho deve contar e esta taxa proposta no anteprojecto para a reforma do IRS, de redução de 1,5% na taxa de IRS para o primeiro filho e 2% para o segundo e restantes, é importante.
A concretizar-se, eram valores que contentavam a associação?
Já eram valores positivos. Relativamente à criação de um quociente familiar no IRS [que atribui uma ponderação de 0,3% por filho no cálculo do rendimento colectável], também e importante. Podia ser um quociente que podia ser um bocadinho mais aumentado, mas cá está, a situação do país... Por isso, para já, acho que é extremamente positivo haver esse quociente e a possibilidade de cada filho contar, embora ainda conte pouco. É um princípio...
Depois, a proposta de criação de vales sociais também é importante [segundo a o anteprojecto para a reforma do IRS as empresas vão poder pagar parte dos vencimentos dos trabalhadores em vales sociais de educação, para filhos até aos 16 anos, cujo valor ficará excluído de tributação].
Quais são hoje as bandeiras da APFN?
Uma das nossas bandeiras tem a ver com o consumo de água. O consumo de água de uma família numerosa é obviamente maior do que o de uma família mais pequena ou que tenha um filho ou dois e, por isso, subir de escalão não faz sentido, só pelo facto de ter 5 ou 6 filhos...
Mas muitos municípios já têm tarifas familiares.
Sim, 118. Em relação aos consumos de electricidade passa-se a mesma coisa. E em relação ao IMI também gostaríamos que fosse revisto para as famílias numerosas, porque se a pessoa precisa de ter uma casa um bocadinho maior devia ter algumas facilidades pelo facto de ter mais filhos.
Em relação à compra de um carro, sabendo nós que a partir de quatro filhos eles já não cabem num carro normal e a família vai ter de comprar um carro de sete lugares, de nove lugares, poderia haver alguma facilidade fiscal.
E em relação ao IRS, efectivamente gostaríamos — e esperamos e temos fortes esperanças que seja assim — que os filhos passem a ser considerados como cidadãos.
Tenho ouvido na comunicação social que estas medidas [fiscais propostas pela comissão para a reforma do IRS] são para beneficiar sempre os mesmos, em prejuízo dos que optaram por não ter filhos. Não sei porque se diz isso. Nunca ninguém nos facilitou a vida...
O que se passou foi que se anunciou que os agregados onde não há filhos vão passar a pagar mais de IRS. E a crítica é: para promover a natalidade é preciso penalizar quem não quer ou não pode ter filhos?
E não é preciso. E não faz sentido nenhum. Mas já foi desmentido que isso fosse acontecer.
A APFN foi ouvida na elaboração do plano de incentivo à natalidade? E para a elaboração do anteprojecto de reforma do IRS?
A nossa secretária-geral, a Dra. Ana Cid, foi uma das pessoas que fez parte dessa comissão da natalidade. E em relação ao anteprojecto de reforma do IRS penso que vamos ser ouvidos, temos essa garantia.
Há uma relação próxima entre a APFN e o Governo?
Não, nunca houve, já passamos por muitos governos...
Mas com uns é mais fácil falar do que com outros?
Acho que todos os partidos estão sensibilizados e não queria fazer diferença. Este Governo preocupou-se, na prática, com a situação e apresentou este anteprojecto que já é algo de palpável, isso é um facto indesmentível. Mas a nossa ideia é estabelecer pontes com todos os governos.
Quantos sócios têm?
Cinco mil, seis mil. Gostaríamos de aumentar, será a maneira de defendermos as famílias numerosas. A quota é pequena: 35 euros anuais.
Os vossos sócios são, na sua maioria, pessoas com algum poder económico? É um luxo ter muitos filhos?
Não... quer dizer é um luxo sob o ponto de vista humano. Temos pessoas com poder económico médio e outras com um poder económico um bocadinho mais alto...E temos sócios com muito baixo poder económico, pessoas que telefonam constantemente para a associação a pedir auxílio, a pedir fraldas, a pedir material que lhes falta, mas que mesmo assim optaram por ter os seus filhos. E que não os largam por nada.
Fonte: Público
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