Salvar o casamento
Como advogado infelizmente sou muitas vezes confrontado com situações de clientes que se pretendem divorciar.
Nessas alturas procuro diagnosticar a origem desse desejo.
Verifico que muitas pessoas ao casar não se apercebem verdadeiramente do sentido profundo do compromisso que fizeram quando declararam que iriam amar e ser fiéis, nas alegrias e nas tristezas, na riqueza e na pobreza, na doença e na saúde.
Quando surgem problemas resultantes da dinâmica da vida, não procuram dialogar, fazer um rewind e ver onde é que as coisas começaram a ficar mal e onde é que deverão ser corrigidas.
Não. Recorrem logo ao divórcio como se o divórcio fosse a poção mágica e secreta que resolvesse todos os seus males e a partir do qual a felicidade cairá do céu.
Penso que há vários aspectos a levar em consideração:
O 1º é que não se pode esperar que o encanto, a paixão e até mesmo a intensidade da atracção física e psicológica existente no início da relação aumente ou sequer perdure com o passar do tempo. Seria algo de anómalo se assim acontecesse porque a nossa maneira de ser tende para o comodismo, para a habituação e para um certo aburguesamento que arrefece qualquer entusiasmo inicial por mais ardente que seja.
2º Que, com o passar do tempo, a cumplicidade e a amizade assumem contornos mais sólidos, mais profundos e salientes. Há uma consolidação do casal como uma equipa que actua em uníssono a favor de um objectivo que é comum: a sustentação da família, a educação e a felicidade dos filhos, a transmissão de valores. Estes, sim, são alicerces sólidos, mais sólidos do que o mero sentimento ou sensação de paixão arrebatadora que dura uns tempos para depois se esvair.
3º Que todos temos defeitos e que, qualquer casamento, para poder sobreviver necessidade e implica necessariamente um esforço sincero por lutar contra os defeitos de cada um, ainda que estes perdurem até à nossa morte. O outro tem que ver, com actos concretos, que no seu parceiro há, ao menos uma tentativa, de evitar aquilo que é objectivamente mau e que inquina a relação e desagrada ao outro.
4º Que, com o stress dos filhos e do trabalho do dia-a-dia, cada vez, passará a haver menos tempo para que o casal usufrua de si próprio, um do outro. Por isso, os espaços de tempo que antes existiam devem ser substituídos pela intensidade do tempo, nos pormenores de atenção para com o outro, na paciência, na contenção verbal, quando é preciso, na oportunidade de uma palavra, no querer aliviar a carga do outro, se possível.
Não é por alguém que vai à guerra e fica com feridas que resultam em cicatrizes que se deve lançar o seu corpo à morte. O corpo fica simplesmente a viver com essas cicatrizes, sem deixar de ser um corpo, humano e com vida.
Assim também qualquer casamento terá certamente memórias menos positivas, episódios mais traumatizantes, mas que, no seu todo, são próprios do agir humano e não podem, nem devem afectar o desígnio maior que é o desígnio do fazer família, do criar um espaço de troca de valores, onde, por vezes, a intensidade das relações tem de ser mais forte do que o tempo que se devia estar e não se consegue.