segunda-feira, 20 de julho de 2009

Um novo projecto de educação sexual

A novidade da época parece ser a de leis balneares, preparadas de modo apressado para aprovação antes de férias

Recentemente, o Presidente da República alertou para a falta de qualidade de muitos textos legislativos. A falta de qualidade de leis da Assembleia da República e de decretos-leis do Governo não é um problema de hoje. Mas hoje é agravado pela hiperinflação legislativa. No momento em que se avizinham novas eleições, a novidade parece ser a de leis balneares, preparadas de modo apressado para aprovação antes de férias.Entre os frutos sazonais da actividade parlamentar contam-se cada vez mais leis simbólicas, isto é, leis que se destinam mais a marcar a agenda política e satisfazer compromissos eleitorais do que, efectivamente, a legislar para o futuro.A recente proposta de lei relativa à "aplicação da educação sexual em meio escolar" (Projecto de Lei n.º 660/X) é um bom exemplo do que não deve fazer-se.
Ninguém contesta ser necessário que jovens e adolescentes recebam informação científica sobre a sexualidade. Também ninguém contesta que o objectivo de diminuir o número de situações de gravidez precoce entre as adolescentes é correcto. A questão central é a de saber se o caminho adoptado pelo legislador é o mais adequado e, sobretudo, se estão respeitados os direitos das pessoas.
A mais recente iniciativa legislativa parlamentar é um cheque em branco a um futuro governo nesta matéria. De facto, tudo o que é essencial fica dependente de regulamentação pelo governo e não são definidos parâmetros legais em relação a tema nenhum, excepto em matérias administrativas que, estas sim, só pelo governo deviam ser regulamentadas.
Por um lado, portanto, é posto em causa o princípio da determinação e precisão das leis. Por outro, legisla-se em matéria que pode integrar o conteúdo de reserva de administração. Por exemplo, o funcionamento de gabinetes de informação nas escolas, que não serão dirigidos por médicos apesar de terem, entre outras atribuições, a de assegurar aos alunos os "meios contraceptivos adequados".
Pertencerá ao governo estabelecer o conteúdo curricular da disciplina. Mas o diploma em causa nada dispõe quanto aos direitos das crianças nesta matéria e ao modo como os podem exercer. Nada se regula também sobre os direitos dos pais.Recentes episódios divulgados pela comunicação social em que professores têm conversas, no mínimo, inconvenientes com jovens estudantes deveriam aconselhar muita prudência em matéria tão delicada e que se prende com a saúde e o bem-estar físico e psíquico das crianças e jovens. E que, também por essa razão, exige professores com formação específica.
Compreende-se, assim, a preocupação de muitos pais com esta legislação confusa e errada, que coloca no mesmo plano normativo crianças de 6 anos e adultos que terminam o ensino secundário com 17 ou 18 anos.Estas questões são melindrosas e deveriam merecer maior respeito pela Constituição. Esta começa por estabelecer a responsabilidade primeira dos pais na educação dos seus filhos. São as mesmas responsabilidades que a Declaração Universal dos Direitos do Homem e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem estabelecem.
Seria correcto pensar que o Estado assume o dever de ensinar os jovens sobre a sexualidade de modo objectivo e de acordo com a sua idade. Porém, se o Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas (art.º 43.º da Constituição) e se os pais têm primazia na escolha do género de educação a dar aos seus filhos, a resposta própria de um Estado pluralista é a de que tem de reconhecer-se aos pais o direito de opor-se a que os seus filhos recebam conteúdos informativos quando estes ofendem as suas convicções religiosas e filosóficas profundas.
Recorde-se que a orientação do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem vai em três sentidos fundamentais: os pais não podem opor-se ao ensino obrigatório da educação sexual se os fins e o conteúdo do currículo forem objectivos e cientificamente adequados à idade das crianças; tem de ficar assegurado o direito dos pais a aconselhar e guiar os seus filhos de acordo com as suas convicções; as indicações curriculares não podem ser entendidas como uma exaltação da vida sexual e da entrada precoce das crianças em práticas perigosas para a sua estabilidade, saúde ou futuro.

Pedro Barbas Homem, Professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, in Público, 15-Julho-2009

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