POSIÇÃO DO PCP CONTRA A EUTANÁSIA
1. O debate sobre a introdução legal da
possibilidade da provocação da morte antecipada não corresponde à
discussão sobre hipotéticas opções ou considerações individuais de cada
um perante as circunstâncias da sua própria morte. É, sim, uma discussão
de opções políticas de reforçada complexidade e com profundas
implicações sociais, comportamentais e éticas.
A legalização da eutanásia não pode ser apresentada como matéria de
opção ou reserva individual. Inscrever na Lei o direito a matar ou a
matar-se não é um sinal de progresso mas um passo no sentido do
retrocesso civilizacional, com profundas implicações sociais,
comportamentais e éticas que questionam elementos centrais de uma
sociedade que se guie por valores humanistas e solidários.
A ideia de que a dignidade da vida se assegura com a consagração
legal do direito à morte antecipada, merece rejeição da parte do PCP.
A oposição do PCP à eutanásia tem o seu alicerce na preservação da
vida, na convocação dos avanços técnicos e científicos (incluindo na
medicina) para assegurar o aumento da esperança de vida e não para a
encurtar, na dignificação da vida em vida. É esta consideração do valor
intrínseco da vida que deve prevalecer e não a da valoração da vida
humana em função da sua utilidade, de interesses económicos ou de
discutíveis padrões de dignidade social.
2. A invocação de casos extremos, para justificar a
inscrição na Lei do direito à morte antecipada apresentando-o como um
acto de dignidade, não é forma adequada para a reflexão que se impõe.
Pode expressar em alguns casos juízos motivados por vivência própria,
concepções individuais que se devem respeitar mas é também, para uma
parte dos seus promotores, uma inscrição do tema em busca de
protagonismos e de agendas políticas promocionais.
A ciência já hoje dispõe de recursos que, se utilizados e acessíveis,
permitem diminuir ou eliminar o sofrimento físico e psicológico. Em
matérias que têm a ver com o destino da sua vida, cada cidadão dispõe já
hoje de instrumentos jurídicos (de que o “testamento vital” é exemplo,
sem prejuízo dos seus limites) e de soberania na sua decisão individual
quanto à abstinência médica (ninguém pode ser forçado a submeter-se a
determinados tratamentos contra a sua vontade). A prática médica garante
o não prolongamento artificial da vida, respeitando a morte como
processo natural recusando o seu protelamento através da obstinação
terapêutica. Há uma diferença substancial entre manter artificialmente a
vida ou antecipar deliberadamente a morte, entre diminuir ou eliminar o
sofrimento na doença ou precipitar o fim da vida.
3. Num quadro em que o valor da vida humana surge
relativizado com frequência em função de critérios de utilidade social,
de interesses económicos, de responsabilidades e encargos familiares ou
de gastos públicos, a legalização da provocação da morte antecipada
acrescentaria uma nova dimensão de problemas.
Desde logo, contribuiria para a consolidação das opções políticas e
sociais que conduzem a essa desvalorização da vida humana e introduziria
um relevante problema social resultante da pressão do encaminhamento
para a morte antecipada de todos aqueles a quem a sociedade recusa a
resposta e o apoio à sua situação de especial fragilidade ou
necessidade. Além disso a legalização dessa possibilidade limitaria
ainda mais as condições para o Estado promover, no domínio da saúde
mental, a luta contra o suicídio.
4. O princípio da igualdade implica que a todos seja
reconhecida a mesma dignidade social, não sendo legítima a
interpretação de que uma pessoa “com lesão definitiva ou doença
incurável” ou “em sofrimento extremo” seja afectada por tal
circunstância na dignidade da sua vida. E ainda mais que ela seja
invocada para consagrar em Lei o direito à morte, executada com base
numa Lei da República.
A vida não é digna apenas quando (e enquanto) pode ser vivida no uso
pleno das capacidades e faculdades físicas e mentais e a sociedade deve
assegurar condições para uma vida digna em todas as fases do percurso
humano, desde as menos autónomas (seja a infância ou a velhice) às de
maior autonomia; na presença de condições saudáveis ou de doença; no
quadro da integridade plena de faculdades físicas, motoras ou
intelectuais ou da deficiência mais ou menos profunda, congénita ou
sobreveniente.
O que se impõe é que o avanço e progresso civilizacionais e o aumento
da esperança de vida decorrente da evolução científica sejam convocados
para garantir uma vida com condições materiais dignas em todas as suas
fases.
5. O PCP afirma a sua oposição a legislação que
institucionalize a provocação da morte antecipada seja qual a forma que
assuma – a pedido sob a forma de suicídio assistido ou de eutanásia –,
bem como a eventuais propostas de referendo sobre a matéria.
O PCP continuará a lutar para a concretização, no plano político e
legislativo, de medidas que respondam às necessidades plenas dos
utentes do Serviço Nacional de Saúde, nomeadamente no reforço de
investimento sério nos cuidados paliativos, incluindo domiciliários; na
garantia do direito de cada um à recusa de submeter-se a determinados
tratamentos; na garantia de a prática médica não prolongar
artificialmente a vida; no desenvolvimento, aperfeiçoamento e direito de
acesso de todos à utilização dos recursos que a ciência pode
disponibilizar, de forma a garantir a cada um, até ao limite da vida, a
dignidade devida a cada ser humano.
6. É esta a concepção de vida profundamente
humanista que o PCP defende e o seu projecto político de progresso
social corporiza. Uma concepção que não desiste da vida, que luta por
condições de vida dignas para todos e exige políticas que as assegurem
desde logo pelas condições materiais necessárias na vida, no trabalho e
na sociedade.
Perante os problemas do sofrimento humano, da doença, da deficiência
ou da incapacidade, a solução não é a de desresponsabilizar a sociedade
promovendo a morte antecipada das pessoas nessas circunstâncias, mas sim
a do progresso social no sentido de assegurar condições para uma vida
digna, mobilizando todos os meios e capacidades sociais, a ciência e a
tecnologia para debelar o sofrimento e a doença e assegurar a inclusão
social e o apoio familiar.
A preservação da vida humana, e não a desistência da vida é
património que integra o humanismo real – e não proclamatório – que o
PCP assume nos princípios e na luta.