Além
da saída de especialistas, a elevada taxa de médicos objetores de
consciência em alguns dos maiores hospitais da região de Lisboa é uma
das principais explicações apontadas para estas transferências. "A
questão que se coloca é porque não referenciam para outros hospitais
públicos ou porque não contratam médicos para as realizar, como Leiria
já o fez, por exemplo", critica um especialista ouvido pelo DN.
Maria
do Céu Almeida, que integra o colégio de Obstetrícia da Ordem dos
Médicos e dirige o serviço de obstetrícia B do Centro Hospitalar e
Universitário de Coimbra, sublinha que a Ordem não tem a noção de
quantos objetores de consciência existem, porque eles apenas têm de
reportar esse estatuto aos superiores hierárquicos das unidades onde
trabalham. Mas a médica lembra que esta é uma questão que se coloca mais
em Lisboa, já que no centro quase todas as interrupções são feitas no
setor público. Além da Clínica dos Arcos, as únicas unidades privadas
identificadas no último relatório da Direção Geral da Saúde sobre as
interrupções da gravidez (com dados de 2016, mas publicado no mês
passado) são a Multimédica, precisamente na região centro, que fez 44
IVG em 2016, e o Hospital do SAMS, em Lisboa, que fez um total de 147.
Uma contabilidade onde não entram parcerias público-privadas, como por
exemplo a do Hospital de Braga ou o Beatriz Ângelo, de Loures.
"O
que vemos é que a Clínica dos Arcos é a que mais faz no privado, mas o
número também não tem aumentado", argumenta Maria do Céu Almeida. Mas
então, mais de dez anos depois do referendo de 2007 que legalizou a IVG,
porque razão essa percentagem não baixa? "Porque não há mais médicos a
fazer, há regiões onde há mais dificuldades", responde a especialista,
que esteve na fundação da Sociedade Portuguesa da Contraceção.
Três hospitais não fazem
Tendo
em conta o relatório da DGS, dos 11 hospitais ou centros hospitalares
públicos da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo,
três não fizeram qualquer aborto a pedido da mulher em 2016:
Amadora-Sintra, Santarém e Cascais. O Centro Hospitalar Lisboa Central,
que inclui a Maternidade Alfredo da Costa, é a unidade pública da região
que mais interrupções praticou nesse ano por opção das grávidas (1159),
mas ainda assim registou cerca de três mil a menos em relação à Clínica
dos Arcos (ver infografia).
"E é um
número com tendência para aumentar, porque os hospitais estão a perder
profissionais", alerta o presidente da Sociedade Portuguesa de
Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal. "Na região de Lisboa, há muitos
hospitais que nunca fizeram, e os que fazem, como Santa Maria, Lisboa
Central ou Garcia de Orta, estão a braços com saídas de enfermeiros
especialistas e médicos. Confrontados com a diminuição de profissionais,
os serviços de obstetrícia têm de fazer opções em relação ao que é
prioritário. O que é necessário assegurar são os blocos de partos, as
cirurgias ginecológicas e as enfermarias. A ter de cortar - embora eu
seja contra - é no que tem alternativa noutros sítios, como a consulta
de IVG", argumenta Luís Graça.
Na
sequência do protesto dos enfermeiros especialistas, a meio do ano
passado, hospitais como o São Bernardo, em Setúbal, anunciaram que iriam
transferir as grávidas que pretendessem fazer interrupções voluntárias
de gravidez para a Clínica dos Arcos. Transferências que podem pesar nos
dados finais de 2017. Maria do Céu Almeida reconhece que "o ideal seria
sempre que os hospitais públicos encaminhassem para outros hospitais
públicos, mas com as dificuldades do Serviço Nacional de Saúde não será
possível esse atendimento nessas unidades".
Opção cirúrgica questionada
Tanto
Luís Graça, antigo diretor do serviço de Ginecologia e Obstetrícia de
Santa Maria, como outros médicos ouvidos pelo DN deixam ainda uma outra
crítica à opção de encaminhamento para o privado: "é que quase todas as
interrupções feitas nos hospitais públicos são através de medicamentos,
enquanto na Clínica dos Arcos são feitas por aspiração, com risco
aumentado, além de serem ligeiramente mais caras".
Segundo
o site da clínica, uma IVG cirúrgica com anestesia geral varia entre os
400 e os 550 euros, se tiver pré operatório, enquanto uma interrupção
com anestesia local vai dos 300 aos 450 euros. Já a medicamentosa custa
325 euros sem pré-operatório, ou 475 se o incluir. "A Clínica dos Arcos
prefere fazer interrupções cirúrgicas, sendo que a maior parte das
unidades faz interrupções com medicamentos. São ambas eficazes, mas com
medicamentos não sujeitamos as mulheres a uma intervenção cirúrgica nem a
uma anestesia", explica outro especialista ouvido pelo DN.
Entre
as perguntas colocadas à Clínica dos Arcos, e que ficaram sem resposta,
o DN questionava se a unidade confirma que recorre maioritariamente às
IVG cirúrgicas e quais as razões para essa decisão. Esta clínica de um
grupo espanhol estabeleceu-se em Lisboa em julho de 2007, mas antes da
despenalização da IVG em Portugal recebeu centenas de mulheres
portuguesas na sua unidade de Badajoz. Desde aí, foi sempre um dos
principais alvos dos autointitulados "movimentos pró-vida".
De
acordo com o relatório dos registos das interrupções da gravidez, em
2016 voltou a diminuir o número de IVG: de 16 028, em 2015, para 15 959.
Desde 2008, o número de abortos praticados em Portugal caiu 11%. A
descida mais acentuada deu-se a partir de 2011, ano em que se fizeram 20
480 interrupções.