quarta-feira, 18 de julho de 2007

Carta aberta ao senhor ministro da saúde

É injustificado e insultuoso pretender que os médicos tenham de confirmar, por escrito, o seu respeito pela ética.
Após o referendo nacional sobre o "aborto", antecedido por frequentes e claras afirmações de muitos dos mais representativos dos votantes pelo "sim", de que o consideravam um mal (embora por vezes, e segundo eles, necessário), surgiu a Lei n.º 16/2007, seguida da Portaria n.º 741-A/2007.
Para além do conteúdo-base (que repudiamos), verifica-se que a lei, no seu artigo 6.º, assegura aos profissionais de saúde, e nomeadamente aos médicos, a "objecção de consciência". A objecção de consciência, direito fundamental constitucionalmente protegido, permite que os médicos recusem a prática de actos da sua profissão quando tal prática entre em conflito com a sua consciência moral, religiosa ou humanitária ou contradiga o disposto no seu código deontológico.
Obviamente esses profissionais não poderão ser prejudicados, de nenhum modo e sob nenhum pretexto, por exercerem tal direito.Se, por outro lado, o regime aprovado proíbe os médicos de participar na consulta prévia, e no acompanhamento durante o período de reflexão, por outro pretende, de forma contraditória, injustificada e ilegal, obrigá-los a indicar quem pratique o aborto.
Se, com uma mão, a lei assina um atestado de incompetência e falta de isenção aos médicos, impedindo-os de acompanhar a grávida na fase pré-aborto, com a outra empurra, sem corda, para a falésia, este direito de agir segundo os seus princípios morais, religiosos ou humanitários, ao obrigar esses mesmos profissionais, "incompetentes e parciais", a que encaminhem a grávida até ao... aborto.Afinal, deve ou não o objector de consciência pronunciar-se? A partir de que fase tem competência, dignidade moral e isenção para intervir? Porque só é obrigado a intervir para que a prática do aborto, de que discorda, se concretize? Como será possível conciliar as duas imposições?A portaria indica que a objecção de consciência deve ser manifestada em documento (burocrático e mesmo insultuoso, porque parece desconhecer a ética médica), assinado pelo objector, o qual deve ser apresentado ao seu director clínico. Mas, certamente, apenas deverá competir a quem aprovou a lei, o Estado, divulgar onde o aborto poderá, infelizmente, vir a materializar-se.O código deontológico da Ordem, aplicável a todos os médicos, diz que, no exercício da sua profissão, este é técnica e deontologicamente independente, não podendo ser subordinado à orientação de estranhos. Mais: o médico deve, em qualquer lugar ou circunstância, prestar tratamento de urgência a pessoas que se encontrem em perigo imediato. Assim sendo, e mesmo quando objector de consciência, nunca deixará o médico de tratar uma doente que, por causa de um aborto, sofra consequências. É, por isso mesmo, injustificado e insultuoso pretender que os médicos tenham de confirmar, por escrito, o seu respeito pela ética.
O mesmo se poderá dizer quanto a assegurar o respeito pelo segredo profissional, pois o código deontológico afirma que esse segredo se impõe a todos e constitui matéria de interesse moral e social.No artigo 30.º do código, referente à objecção de consciência, diz-se claramente que o médico tem o direito de recusar a prática de actos da sua profissão quando tal entre em conflito com a sua consciência moral, religiosa ou humanitária ou contradiga o disposto no código deontológico.
Pontos essenciais, incluídos no juramento hipocrático, estão consagrados no artigo 47.º, onde se estabelece que o médico deve guardar respeito pela vida humana desde o seu início; que constitui falta deontológica grave a prática do aborto e da eutanásia; que esclarece, no entanto, que não é considerado aborto uma terapêutica imposta pela situação clínica do doente como único meio capaz de salvaguardar a sua vida.
É o caso-limite, do confronto entre duas vidas, das quais só uma poderá ser salva. Sabendo-se, segundo a leges artis, que a ecografia é o meio mais fiável para datar uma gravidez, era bom que a lei dissesse se, neste momento, se conhece outro meio alternativo igualmente fiável para que seja possível dispensar a ecografia, que na lei deixou de ser obrigatória.
Assim sendo, esperamos que o Governo proceda à alteração da portaria referida, por considerar necessária e suficiente uma simples declaração, sob compromisso de honra profissional, dos médicos objectores de consciência.

Prof. Gentil Martins
Ex-bastonário da Ordem dos Médicos e ex-presidente da Associação Médica Mundial e da sua comissão de ética

In Público de 17 de Julho de 2007

1 comentário:

Anónimo disse...

Com esta carta o Sr. Professor Gentil Martins remete para o sótão da ignorância e da incompetência o Sr. Ministro da Saúde e seus correligionários.
Como é possível que gente deste calibre - como o Sr.Dr. que rege a pasta da Saúde, e outros que todos sabemos quem são - ainda permaneça em funções...?!

De asneira em asneira,vão orientando(?!)o País por caminhos ínvios, com medidas disparatadas, reveladoras, no mínimo, de mentes falhas de inteligência (ia a dizer tortuosas...)

Do que é que esta gente está à espera para fazer o maior favor aos Portugueses, que é o de largarem o poder já, antes que aniquilem por completo este triste País tão maltratado por governantes sem gabarito e destituídos de sensatez...?